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Category Archives: Acadêmico

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“A consciente e inteligente manipulação dos hábitos e das opiniões das massas é um importante elemento na sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível, o verdadeiro poder dirigente de nosso país. Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos, formados, nossas ideias, sugeridas amplamente por homens dos quais nunca ouvimos falar”.
(Edward Bernays, Propaganda – 1928)

 

“A propaganda deve limitar-se a um pequeno número de ideias e repeti-las incansavelmente. As massas não se lembrarão das ideias mais simples, a menos que sejam repetidas centenas de vezes”.
(Adolf Hitler, Mein Kampf – 1925)

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“O termo genérico é um dispositivo que possibilita a formação de juízo de valor instantâneo, sem questionar a evidência sobre a qual se baseia”.
(Frederick G. Rudge, The seven devices of propaganda that are well worth watching for – 1940)

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“A forma simplificadora mais elementar e rendosa é evidentemente a de concentrar sobre uma única pessoa as esperanças do campo a que pertencemos ou o ódio pelo campo adverso. Os gritos de ‘Viva Fulano!’ ou ‘Abaixo Sicrano!’ pertencem aos primeiros ensaios da propaganda política e forneceram-lhes sempre um bom cabedal para a sua linguagem de massas”.
(Jean Marie Domenach, Propaganda Política – 1950)

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“Na verdade, para arrastar o sentimento, nada substitui a irradiação do apóstolo, a convicção do prosélito, o prestígio do herói (…) As grandes crenças políticas, tal como progrediu o cristianismo, caminham muito através do ‘contágio pelo exemplo’, do contato e da atração pessoal; com efeito, somente assim se implantam profundamente. As massas modernas, deprimidas e incrédulas no tocante a si mesmas, são espontaneamente atraídas por aqueles que lhes parecem possuir o segredo de uma felicidade que delas se afasta”.
(Jean Marie Domenach, Propaganda Política – 1950)

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“Pouco aptas ao raciocínio, as multidões mostram-se, ao contrário, muito aptas à ação. A atual organização torna a força delas imensa. Os dogmas que vemos nascer rapidamente adquirirão o poder dos velhos dogmas, isto é, a força tirânica e soberana que descarta qualquer discussão”.
(Gustave Le Bon, Psicologia das Multidões – 1895)

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“Sem alguma forma de censura, propaganda no sentido estrito da palavra é impossível. Para conduzir a propaganda deve haver alguma barreira entre o público e o evento. Acesso ao ambiente real precisa ser limitado, antes que alguém crie um pseudoambiente que imagine se mais adequado ou desejável”.
(Walter Lippmann, Opinião Pública – 1922)

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“A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte”.
(Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas – 1926)

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“Não há um único poder: ele não é apenas financeiro, mas sim econômico-financeiro e midiático. Se esses poderes não existissem juntos, não funcionariam, pois não basta vencer, é preciso convencer. A vitória neoliberal não seria completa se o vencido não estivesse convicto, não estivesse feliz de ter sido vencido. Ele não deve nem mesmo perceber que foi vencido, deve pensar que está participando da vitória de seu adversário, não percebendo a si mesmo como vítima. No geral, a missão dos meios de comunicação é a de domesticar as sociedades”.
(Dênis de Moraes, Ignacio Ramonet e Pascual Serrano, Mídia, Poder e Contrapoder – 2013)

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A Sociedade do Espetáculo (Guy Debord – Paris, 1967)

Na revolução atual, as tropas de proteção da antiga ordem não agem sob a insígnia das classes dirigentes, mas sob a bandeira de um partido social-democrata. Se a questão central da revolução fosse colocada aberta e honestamente – capitalismo ou socialismo -, nenhuma dúvida, nenhuma hesitação seriam hoje possíveis para a grande massa do proletariado. (Rosa Luxemburgo, ‘Rote Fahne’)

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação”. (13)

“O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório. É o autorretrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: parece que uma segunda natureza domina, com leis fatais, o meio em que vivemos”. (20)

“O sistema econômico fundado no isolamento é uma produção circular do isolamento. O isolamento fundamenta a técnica; reciprocamente, o processo técnico isola. Do automóvel à televisão, todos os bens selecionados pelo sistema espetacular são também suas armas para o reforço constante das condições de isolamento das ‘multidões solitárias’. O espetáculo encontra sempre mais, e de modo mais concreto, suas próprias pressuposições”. (23)

“O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo”. (30)

“A ditadura da economia burocrática não pode deixar às massas exploradas nenhuma margem significativa de escolha, pois ela teve de escolher tudo. Qualquer outra escolha que lhe seja exterior, referente à alimentação ou à música, representa a escolha de sua destruição completa”. (43)

“A satisfação denuncia-se como impostura no momento em que se desloca, em que segue a mudança dos produtos e a das condições gerais de produção. Aquilo que, com o mais perfeito descaramento, afirmou sua própria excelência definitiva transforma-se no espetáculo difuso e também no espetáculo concentrado. É apenas o sistema que tem de continuar: Stalin tanto quanto a mercadoria fora de moda são denunciados por aqueles mesmos que os impuseram. Cada nova mentira da publicidade é também a confissão da mentira anterior. Cada queda de uma figura do poder totalitário revela a comunidade ilusória que a aprovava unanimemente, e que não passava de um aglomerado de solidões sem ilusões”. (46/47)

“O movimento permanente de monopolização da vida histórica pelo Estado da monarquia absoluta, forma de transição para a dominação total da classe burguesa, faz aparecer em sua verdade o que é o novo tempo irreversível da burguesia. A burguesia está ligada ao tempo do trabalho, pela primeira vez liberado do tempo cíclico. O trabalho se tornou, com a burguesia, trabalho que transforma as condições históricas. A burguesia é a primeira classe dominante para quem o trabalho é um valor. E a burguesia que suprime todo privilégio, que só reconhece valor decorrente da exploração do trabalho, identificou justamente com o trabalho seu próprio valor como classe dominante”. (98)

“O urbanismo é a tomada de posse do ambiente natural e humano pelo capitalismo que, ao desenvolver sua lógica de dominação absoluta, pode e deve agora refazer a totalidade do espaço como seu próprio cenário”. (112)

O esforço de todos os poderes estabelecidos, desde as experiências da Revolução Francesa, para ampliar os meios de manter a ordem na rua culmina afinal com a supressão da rua. ‘Com os meios de comunicação de massa a longa distância, o isolamento da população revelou-se um meio de controle bem mais eficaz’, constata Lewis Mumford em La Cité à travers l’histoire, ao descrever um ‘mundo doravante de mão única’. Mas o movimento geral do isolamento, que é a realidade do urbanismo, deve também conter uma reintegração controlada dos trabalhadores, segundo as necessidades planificáveis da produção e do consumo. A integração no sistema deve recuperar os indivíduos isolados como indivíduos isolados em conjunto: as fábricas e os centros culturais, os clubes de férias e os condomínios residenciais são organizados de propósito para os fins dessa pseudocoletividade que acompanha também o indivíduo isolado na célula familiar: o emprego generalizado de aparelhos receptores da mensagem espetacular faz com que esse isolamento seja povoado pelas imagens dominantes, imagens que adquirem sua plena força por causa desse isolamento”. (172/173)

Antropológica do Espelho– Uma teoria da comunicação linear e em rede
(Muniz Sodré, 2001)

“Como sair nos jornais com grande destaque? É muito simples. Basta que você elabore uma ideia com uma imagem muito nítida. Fatos que tenham conteúdo não têm a menor importância”. (César Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro)

I. O ethos midiatizado

 A mídia gera um bios virtual. Tecnologias de comunicação fetichizam a realidade e reduzem a “complexidade das antigas diferenças ao unum do mercado”. P.11

A sociedade da informação é “indiferente a tudo que não seja a velocidade de seu processo distributivo de capitais e mensagens (…) as transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas de poder, embora possam aqui e ali agilizar o que, dentro dos parâmetros liberais, se chamaria de ‘democratização’”. P.12

A dita Revolução da Informação “centra-se na virtual anulação do espaço pelo tempo, gerando novos canais de distribuição de bens e a ilusão da ubiquidade humana (…) o diferencial é a aceleração distributiva (o oikonomos intensificado) dos processos (…) Em termos públicos, o fenômeno recebe o nome de globalização, mas politicamente coincide com a ideologia do ‘neoliberalismo’, uma plataforma econômico-político-social-cultural, empenhada em governo mínimo, fundamentalismo de mercado, individualismo econômico, autoritarismo moral e outros”. P.14

“Tudo isso se põe a serviço não apenas do Estado, mas também das grandes organizações civis (empresas multinacionais, corporações de serviços, etc.), que, pari passu com o aumento exponencial de dados sobre consumidores reais e virtuais, consolidam pela vigilância contínua o seu poder de identificação e mobilização dos antigos cidadãos políticos nas funções atribuídas pelo mercado”. P.16

O conteúdo perde importância, partidos perdem influência. “A chamada ‘despolitização’ midiática ou tecnológica resulta, por sua vez, do enfraquecimento ético-político das antigas mediações e do fortalecimento da midiatização (…) a tecnointeração toma o lugar da mediação, desviando os atores políticos da prática representativa concreta (norteada por conteúdos valorativos ou doutrinários) para performance imagística”. P.34.

Há uma “tendência à substituição do discurso objetivista, argumentativo e racionalista (…) pela narratividade (na forma de ‘casos’) emocionalista da midiatização, o que significa trocar a opinião arrazoada pela percepção esteticista da performance”. P.41.

“O que o midiático deixa na obscuridade pode implicar aspectos cruciais da vida social (decisões político-econômicas, planejamento das cidades…) (…) Pode-se também deixar na obscuridade fatos históricos importantes e assim apagá-los da consciência pública”. Trata-se de enganar mostrando, o ‘engana-olho’ estético: o ‘agradável’ da forma exibida anestesia sensorialmente a sensibilidade crítica”. P.59

A mídia fala do mundo para vendê-lo. “Sua moral utilitarista , com o mercado como vetor de mudanças (…), não contempla a utilidade social, pelo contrário, é privatista e redutora da sensibilidade quanto ao coletivo”. P.64

II – A hexis educativa

A educação neste século corresponde a um modelo societal compatível com o regime fordista de trabalho: divisão e especialização, visando à produção em série. P.89. Neste regime, educação e saúde parecem tornar-se gastos sociais por demais elevados para os interesses industriais. P. 90

Educação tecnicista, pedagogia individualista, ideologicamente utilitarista: “aprende-se parcelarmente e funcionalmente, em função das exigências fragmentárias da indústria ou do mercado. Não se instala aí nenhum horizonte ético, a não ser o da deontologia empresarial”. P.102

“A passagem progressiva das instituições tradicionais à condição de puras prestadoras de serviços afeta grandemente os núcleos de elaboração e transmissão de valores capazes de atenderem às exigências das novas formas de representação social. Sem modelos seguros, a plástica consciência do jovem torna-se facilmente permeável à regulação tecnocultural do mercado, cujos valores básicos são a fama (…) e o poder monetário”. P.110. Eis a geração Y, que “tipifica um novo modelo de individualização, que transforma o consumo hedonista e o ludismo tecnológico em grandes fins existenciais”. P.111

III – Virtus como metáfora

No cinema, televisão ou videogames, a projeção “constrói-se paulatinamente, juntamente com as ficcionalizações publicitárias, uma vida paralela ou vicária, com as características culturais de uma realidade virtual. Mas a imersão do participante na experiência é puramente mental ou afetiva”. P.122

A realidade virtual “implica uma espécie de transição entre alucinação e ilusão – ou então, uma ‘alucinação consensual’, para se usar a expressão cunhada por William Gibson. O espectador ou usuário aceita incialmente o pacto da ilusão (…) e experiência alucinatoriamente (mas de modo tecnologicamente controlado) a mediação criada pela máquina. Tudo isto transcorre na mente do espectador, enquanto seu corpo – separado, como nas experiências com drogas alucinógenas ou nas descrições esotéricas de ‘viagens astrais’ – permanece ancorado no espaço físico”. P.143

IV – Communitas, ethiké

“Agora é a forma vazia de mercado (tal qual a razão prática criticada por Kant), para além das operações concretas de troca econômica, que tende a confundir-se com a existência cotidiana, graças à simulação midiática – de fato, uma nova tecnologia societal – de uma forma de vida, um novo bios, que tenta reduzir todas as variáveis humanas em nível da forma vazia de mercado”. P.190

“Os cenários contemporâneos (…) sinalizam para a hipertrofia das formas civilizatórias (o urbanismo colonizador em várias instâncias) sobre as culturais, ou seja, apontam para a hegemonia das raízes da civilização ocidental, cristã e branca sobre outros princípios originários de organização do mundo.
     Instantaneidade, simultaneidade e globalidade (o tempo real) constituem (…) os valores de todo esse processo”. P.199

“A ética pressupõe períodos de contemplação, deliberação e a adoção de um cálculo moral. Quem tem tempo para tal auto-análise quando o mundo está girando na velocidade da Internet?”. (MORBERG, Dennis. In: Fortune Américas. Cf. Jornal do Brasil, 4/4/2000). P.200

V – Communicatio e epistème

Nesta nova etapa histórica do capital, a dimensão societal (Estado, empresas) procura estender-se até as zonas menos determinadas da socialidade. De um lado, a ampliação do controle societal sobre o próprio fenômeno biológico do homem – por genética ou biotecnologia; de outro, o controle das redes de socialidade (parentesco, vizinhança, amizade, amor, etc.), que escapavam à regulação dos aparelhos societais – por midiatização, por formas virtualizadas da vida”. P.238

“A mão-de-obra técnica do bios midiático (jornalistas) costuma afetar um certo desprezo pela teoria, porque se acha mais autorizada para falar do que faz”. P.252

A questão fundamental de uma ciência da comunicação é a vinculação humana, o que implica “pesquisar os caminhos políticos de abertura existencial para o homem contemporâneo, a quem se tenta dar a impressão de que tudo está dito pela técnica ou de que o futuro já chegou”. P.258

Carnavais, Malandros e Heróis
(Roberto DaMatta – Brasil, 1979)

Desfile militar e Carnaval. Opostos e complementares. Um rito acentua a separação. O outro inverte as posições sociais. O desfilante, geralmente pobre, negro, representando a figura de um nobre ou rei – teatralização que salienta o caráter domesticado de pobre em nobre. Uma trégua entre dominantes e dominados.

“…as fantasias atualizam combinações totalmente não-gramaticais do quotidiano da cultura brasileira, como é o caso das fantasias usadas nos desfiles das escolas de samba ou aquelas que acentuam componentes homossexuais. É, pois, comum encontrar, durante o Carnaval, um bandido bailando com um xerife ou uma caveira com uma moça. É justamente essa combinação e essa conjunção de representantes simbólicos (ou reais) de campos antagônicos e contraditórios que constitui a própria essência do Carnaval como um rito nacional”. (Pág.51)

Mas o povo que faz o Carnaval é o mesmo que faz o Sete de Setembro. O chefe boa-praça é também o homem do “Você sabe com quem está falando?”. O malandro e o caxias são igualmente admirados. “É, portanto, na cultura da igualdade desmedida e personalizada das massas que surge o caudilho autoritário, mas paternal na sua simpatia E é no mundo do populismo reformador que surge o mais violento autoritarismo como modo crítico de reestruturar o sistema”. (Pág.55)

“Você sabe com quem está falando?”. Expressão excluída dos estudos, por revelar “um modo indesejável de ser brasileiro, pois que revelador do nosso formalismo e da nossa maneira velada (e até hipócrita) de demonstração dos mais violentos preconceitos”. (Pág.147).

Reflete segregação social, é a negação do ‘jeitinho’, da ‘cordialidade’ e da ‘malandragem’, comumente usados para definir no modo de ser. Trata-se de um rito de autoridade. Indica situação conflitiva numa sociedade avessa ao conflito. “Numa sociedade, a crise indica algo a ser corrigido; noutra, ela representa o fim de uma era, sendo um sinal de catástrofe. Tudo indica que, no Brasil, concebemos os conflitos como presságios do fim do mundo, e como fraquezas (…) tomamos, então, o partido de sempre privilegiar nossas vertentes mais universalistas e cosmopolitas (…) as camadas dominantes e vencedoras sempre adotam a perspectiva da solidariedade, ao passo que os dissidentes e dominados assumem sistematicamente a posição de revelar o conflito, a crise e a violência de nosso sistema”. (Pág.148)

O “Você sabe com quem está falando?” denuncia ojeriza à discórdia num sistema preocupado em manter cada um no seu lugar. É empregado também por inferiores na estrutura de poder. Pelo empregado que representa o patrão. É “muito mais fácil a identificação com o superior do que com o igual, geralmente cercado pelos medos da inveja e da competição, o que, entre nós, dificulta a formação de éticas horizontais”. (Pág.158)

No Brasil prevalecem as relações pessoais sobre a lei, a distinção entre indivíduo (ética burocrática) e pessoa (ética pessoal).

O indivíduo prospera nas sociedades que fizeram sua reforma protestante e desenvolveram uma ética do trabalho e do corpo, propondo uma união igualitária entre corpo e alma. “Já nos sistemas católicos, como o brasileiro, a alma continua superior ao corpo, e a pessoa é mais importante que o indivíduo. Sendo assim, continuamos a manter uma forte segmentação social tradicional, com todas as dificuldades para a criação das associações voluntárias que são a base da ‘sociedade civil’, fundamento do Estado burguês, liberal e igualitário, dominado por indivíduos”. (Pág.189).

Temos a caridade, e não a filantropia (mais voltada à construção social). Reforça-se, assim, a ética vertical, a complementaridade. Um mundo dividido entre fortes e fracos. Os últimos recebem a lei, ficando como desgarrados. Depender de um órgão impessoal, no Brasil, é não pertencer a nenhum segmento, não ter ‘padrinho’.

Os protestos violentos, os movimentos messiânicos, a criminalidade são respostas à individualização, “um modo de reintegração no sistema, não mais como número ou elemento diferenciado (um indivíduo), mas como uma pessoa – com nome, honra e consideração”. (Págs.199 e 200). E tal como o “Você sabe com quem está falando?”, “convergem para a mesma dicotomia básica, ou seja, a oposição que marca e revela um mundo dominador de pessoas e uma massa impotente de indivíduos subordinados à letra da lei”. (Pág.201)

O Lobo da Estepe
(Der Steppenwolf – Hermann Hesse, Alemanha, 1927)

“Naturalmente, não querem nadar. Nasceram para andar na terra e não para a água. E, naturalmente, não querem pensar: foram criados para viver e não para pensar! E quem pensa, quem faz do pensamento sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso, mas, sem dúvida, estará confundindo a terra com a água e um dia morrerá afogado”. (pág. 13)

“O burguês é uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar. Por isso colocou em lugar do poder a maioria; em lugar da autoridade a lei; em lugar da responsabilidade as eleições”. (págs. 49/50)

“Inspirava suspeita a muitos, estava em contínuo e amargo conflito com a opinião e a moral públicas, e embora continuasse vivendo na esfera burguesa, era, todavia, por minha maneira de pensar e de sentir, um estranho neste mundo. Religião e pátria, família e estado careciam de significação para mim e já nada me importava; a presunção da ciência, das profissões, das artes me causava asco”. (pág. 64)

“Assim como agora me visto e saio, vou visitar o professor e troco com ele algumas frases amáveis, mais ou menos falsas, tudo isto contra a minha vontade, assim procede a maioria dos homens que vivem e negociam todos os dias, todas as horas, forçadamente e sem na realidade querê-lo”. (pág. 72)

“Seria descoberto, talvez muito em breve, pois não só as imagens e acontecimentos presentes e momentâneos poderiam chegar continuamente até nós, como a música de Paris ou de Berlim se faz agora audível em Frankfurt ou em Munique, mas também tudo o que já aconteceu fica registrado e pode tornar-se atual; e que um dia, com fios ou sem eles, com ou sem ruídos, chegaremos a ouvir a voz do rei Salomão ou a de Walter von der Vogelwide. E que tudo isto, como hoje os primórdios do rádio, só servirá ao homem para fugir de si mesmo e de sua meta e envolver-se numa rede cada vez mais cerrada de distrações e ocupações inúteis”. (pág. 95)

“É sabido que ninguém escreve pior do que os partidários das velhas ideologias, das ideias decrépitas; ninguém exerce sua profissão de jornalista com menos dignidade e consciência”. (pág. 106)

“Dois terços da gente de meu país leem esta espécie de jornal; leem de manhã e à noite coisas escritas neste tom, são trabalhados permanentemente, incitados, açulados; semeia-se neles o descontentamento e a maldade, e a meta final de tudo isto é outra vez a guerra (…) Uma hora de reflexão, um momento de entrar em si mesmo e perguntar a parte de culpa que lhe cabe nesta desordem e na maldade que impera no mundo, mas ninguém quer faze-lo”. (pág. 107)

“Nossos líderes trabalham sem descanso e com êxito na preparação da próxima guerra, e enquanto isso nós todos dançamos o fox, gastamos dinheiro e comemos confeitos; numa época assim o mundo sem dúvida parece bastante resignado”. (pág. 137)

“Sempre foi e será assim: o tempo e o mundo, o dinheiro e o poder pertencem aos mesquinhos e superficiais, e nada coube aos outros, aos verdadeiros homens, nada a não ser a morte”. (pág. 138)

“Em todos os muros havia cartazes selvagens, magníficos, instigadores, pedindo à nação, em letras gigantescas que ardiam como tochas, que se colocasse afinal ao lado dos homens na guerra contra as máquinas, que matasse afinal os ricos, os obesos, os bem vestidos, os perfumados, que com a ajuda das máquinas espremiam a gordura dos demais, e destruísse os automóveis luxuosos, estrepitosos, malcheirosos, que incendiasse afinal as fábricas e despovoasse e desalojasse um pouco a terra profanada, para que nela voltasse a nascer grama, para que sobre este mundo de cimento voltasse a haver bosques, prados, urzes, arroios e pântanos”. (pág. 162)

“A vida é toda assim, meu filho, e temos de deixá-la ser assim, e se não formos idiotas devemos rir-nos dela (…) Aprenda a levar a sério o que merece ser levado a sério, e a rir de tudo o mais!”. (pág. 193)

Psicologia das Massas do Fascismo
(Wilhelm Reich, Alemanha, 1933)

Um aborto entre nós e nosso futuro próspero.

O Fascismo é, ideologicamente, a resistência de uma sociedade sexual e economicamente agonizante, às tendências do pensamento revolucionário para a liberdade tanto sexual como econômica“. (Pág. 56)

Pesquisando as razões da ascensão do nazi-fascismo, Reich descobriu: o povo não foi enganado; desejou, em seu íntimo, aquele regime, que reproduzia a moral repressora da família patriarcal, autoritária.

A repressão sexual na infância, imposta pela religião, anula os impulsos do domínio do consciente, fixando-se em nós, desde cedo, como defesa moral. Daí nossa condição de cordeiros, do nosso conservadorismo inconsciente (?).

A inibição moral da sexualidade natural da infância, cuja última etapa é o grande dano da sexualidade genital da criança, torna essa criança medrosa, tímida, submissa, obediente, boa e dócil, no sentido autoritário das palavras (…) porque qualquer impulso vital é associado ao medo, e como o sexo é um assunto proibido, há uma paralisação geral do pensamento e do espírito crítico“. (Pág. 28)

O objetivo da moralidade é a criação do indivíduo submisso que se adapta à ordem autoritária, apesar do sofrimento e da humilhação“. (Pág. 29)

E quando este processo impede a sexualidade de atingir a satisfação normal, o indivíduo recorre aos mais variados tipos de satisfações substitutas. Consumo desenfreado, supervalorização do trabalho, devoção militar. O soldado vê, insconscientemente, no comandante, a figura paterna que o reprimia, mas que não podia confrontar. Temor a Deus.

O empregado começa por desejar a assemelhar-se a seu superior, até que, gradualmente, a constante dependência material acaba transformando a sua pessoa, de acordo com a sua classe dominante (…) o indivíduo da classe média acaba criando uma clivagem entre a sua situação econômica e a sua ideologia“. (Pág. 45)

Repressão aos impulsos, repressão ao intelecto, imbecilização coletiva. Brasil, 2010.

O povo, na sua esmagadora maioria, tem natureza e atitude tão femininas que os pensamentos e ações são determinados muito mais pela emoção e sentimento do que pelo raciocínio (…) há sempre um positivo e um negativo, amor ou ódio, certo ou errado, verdade ou mentira, e nunca situações intermediárias ou parciais“. (Pág. 50)

Vendam tudo, destruam o país se lhes aprouver. Mas não confrontem meus dogmas.

As inibições e fraquezas sexuais, que se constituem nos pré-requisitos fundamentais para a existência da família autoritária e são o princípio essencial da formação estrutural da classe média, são mantidas por meio do temor religioso“. (Pág. 51)

Amém.

O Novo Espírito do Capitalismo
(Luc Boltanski e Ève Chiapello. Gallimard: Paris, 1999)

A crise não é do capitalismo, mas da crítica a ele.

O capitalismo, sob muitos aspectos, é um sistema absurdo: os assalariados perderam a propriedade do resultado de seu trabalho e a possibilidade de levar uma vida ativa fora da subordinação. Quanto aos capitalistas, estão presos a um processo infindável e insaciável, totalmente abstrato e dissociado da satisfação de necessidades de consumo, mesmo que supérfluas. Para esses dois tipos de protagonistas, a inserção no processo capitalista carece de justificações“. (Pág. 38)

O capitalismo é, provavelmente, a única forma histórica ordenadora de práticas coletivas perfeitamente desvinculada da esfera moral, no sentido de encontrar sua finalidade em si mesma (…) portanto, supõe referência a construtos de outra ordem“. (Pág. 53)

O ser humano, saciável, precisa de uma dimensão moral para mantê-lo engajado neste processo insaciável. É preciso um suporte ideológico eficaz para que o trabalhador aceite uma atribuição aleatória de valor a seu trabalho. Hoje, é preciso proporcionar ao homem uma garantia mínima de conforto e segurança, explorando-lhe uma característica.

O capitalismo só pode desenvolver-se apostando na inclinação humana para acumular ganhos, invenções, experiências diferentes“. (Pág. 484)

Segundo Max Weber, foi com a Reforma que se impôs a crença de que o dever é cumprido em primeiro lugar pelo exercício de um ofício no mundo, nas atividades temporais, em oposição à vida religiosa fora do mundo“. (Pág. 40)

Até então, a Igreja condenava a usura, o acúmulo. “Eu vos repito: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus (Mateus 19:24)”. Surge, então, Calvino: “Se a Mão de Deus estiver sobre a tua cabeça tu serás beneficiado aqui na terra com muita saúde e prosperidade. Por este indício compreenderás que estás predestinado à salvação“.

Capitalismo contemporâneo: no viés consumista, o ecologicamente correto é um dos novos construtos. Consumismo verde, comprar sem peso na consciência. No viés produtivo, para ser eficiente, a empresa deve contar cada vez mais com a capacidade de iniciativa de seus empregados. Inovação, criatividade, liderança, multifuncionalidade, em contraposição a “trajetória de carreira, por definições de função e por sistemas de punições-recompensas propostos nos anos 60“. (Pág. 122)

Resultam desta nova ideologia o individualismo, refletido na dessindicalização. Self-made men. Os que melhor se adaptam ganham uma “unidimensionalidade que lhes confere, para o mundo exterior, algo de anormal e até monstruoso” (Pág. 413). Surge o Homo economicus, limitado a produzir e consumir, sem capacidade crítica e de sociabilidade restrita.

Sem resistência, o capitalismo avança e, confirmando Marx, devora a si próprio.

Eis o novo mundo.