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Um sujeito reclama ao amigo que a sua vida em casa estava um inferno. O amigo o aconselha a por um bode na sala. Ele segue o conselho. O bode exala um cheiro ruim, suja a casa e ataca os familiares, que se unem contra a presença do bicho. O sujeito, então, o retira da sala. A paz volta a reinar.
Parábola chinesa

Jair Bolsonaro deixa o palco. E um país geopoliticamente subjugado, tecnologicamente atrasado, dependente, mais pobre, precarizado, ignorante.

Transferiu dinheiro da Saúde, das pesquisas para os megaespeculadores. Remunerou os bancos por um dinheiro que eles não emprestam, livrou-os de impostos, ajudou-os a registrar lucros históricos.

Fatiou e privatizou a Petrobras, aumentando o preço de combustíveis essenciais, ressuscitando os fogões à lenha.

Privatizou a lucrativa Eletrobras, construída com o suor dos consumidores, após campanha midiática de difamação da estatal.

Mesmo com as privatizações, aumentou a dívida pública em R$ 1 trilhão e gastou mais de U$ 60 bilhões das reservas do país. Ainda assim, seu Real megadesvalorizado conseguiu façanhas históricas.

Obrigou o brasileiro trabalhar por mais tempo, minou seu poder de compra, acabou com os estoques nacionais de alimentos e recolocou o país no noticiário da fome.

Com discurso anticrime, facilitou a vida do crime organizado.

Com discurso nacionalista, entregou o país aos estrangeiros.

Apanhado por uma pandemia, encorajou as pessoas a se infectarem enquanto sabotava o trabalho de estados e municípios.

Nomeou dirigentes com histórico de ilegalidades, negou auxílio financeiro para professores, prestadores de serviço, garçons, taxistas.

Enquanto atuava para a mídia, seu operador econômico-financeiro, Paulo Guedes, faturava com os seus. A Bozano, ora Crescera, investiu pesado no setor funerário durante a pandemia, mas também nos testes de Covid. Sua cria, o Pactual – ora BTG – abocanhou negócios dos bancos públicos, instalando funcionários no governo.

A via governo-capital privado esteve sempre congestionada.

A marionete vai, os titereiros ficam

Roberto Campos Neto, outro filho da Bozano, comandará o Banco Central criado por seu avô.

O pai das pedaladas que embasaram o golpe de 2016 será o ministro da Defesa.

Paulo Lemann, eminência parda do golpe, herda a Eletrobras, também infiltrando funcionários na máquina.

O consórcio jurídico-militar responsável pela presidência do capitão, que mergulhou “de cabeça no ‘submundo’ das mídias sociais” e fez do Exército Brasileiro “o órgão público com maior influência no mundo digital no Brasil” seguirá operando.

Seus soldados midiáticos (apud Piero Leirner) passam a operar no primeiro escalão.

O Congresso, cúmplice do assalto aos cofres públicos, e a Suprema Corte que o legitimou também saem impunes. E os carrascos da oposição são ressignificados como heróis.

A mídia, legitimadora da miséria bolsonarista, seguirá conformando os espiritos.

Porque o bode saiu da sala.

O boato pode ser criado, deliberadamente, por pessoas interessadas em explorar os seus efeitos (…)
Mesmo que sua autenticidade seja, por vezes, duvidosa, e sua origem, impossível de localizar, o boato será rapidamente difundido se tiver sido convenientemente escolhido e oportunamente lançado
“.
Manual de Campanha de Operações Psicológicas do Exército Brasileiro, págs. 2-15 e 3-3

A urna eletrônica entrou em operação nas eleições municipais de 1996. Ao ser registrado, o voto era impresso e depositado num recipiente sob responsabilidade da autoridade eleitoral.

Desde então, os dados eleitorais ficam no banco de dados da Oracle, nascida de um projeto da Central Intelligence Agency (CIA), instituição de estreita relação com nossos militares. A Oracle coleta dados das pessoas para fins de vigilância: movimentações bancárias, compras no cartão de crédito e online, locais de viagens, perfis de redes sociais.

Em 1998, ano da primeira eleição sem comprovante físico do voto, o então senador Requião apresentou projeto propondo que o eleitor pudesse visualizar seu voto impresso antes de confirmá-lo eletronicamente. O sistema só possibilitaria contato manual se as informações contidas no papel fossem diferentes do meio eletrônico: o voto, então, seria registrado numa cédula eleitoral.

O projeto foi aprovado em 2001, valendo para a eleição seguinte. O voto em papel tinha o apoio do então candidato Lula, que não tinha certeza “se a urna pode ser manipulada ou não“.

Do outro lado, o TSE citava um laudo elaborado pela Universidade de Campinas (Unicamp) que garantia: o sistema eletrônico é “robusto, seguro e confiável, atendendo a todos os requisitos do processo eleitoral brasileiro”.

Urna com comprovante impresso, apresentada em 2017

O argumento técnico ajudou a evitar a impressão do voto algumas vezes até sua derrocada final, em 2018.

No ínterim, capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores, a esquerda brasileira sempre questionou a segurança da urna eletrônica, baseada em evidências de hackers, pareceres técnicos e acadêmicos.

O PSOL vai votar a favor do voto impresso. Esse é um modelo que já existe em vários outros países do mundo. Inclusive é o modelo de votação, há bastante tempo, da Venezuela, que combina voto eletrônico com voto impresso. No ano de 2011, Jimmy Carter disse que esse era o melhor modelo de votação do mundo. Lá já existe o voto impresso“.
Glauber Braga, líder do PSOL na Câmara, outubro de 2017

Surge, então, o capitão: formalmente na presidência da República, os militares e seu porta-voz passam a questionar o sistema eletrônico que os elegeu.

A “esquerda”, então, reage, e passa a defender o sistema 100% digital.

Armas e votos

Além da guarda dos dados via Oracle, a Casa Branca aproveita a repercussão midiática e entra na guerra híbrida usando a National Endowment for Democracy (NED), que oferece grana e treinamento para “lutar contra a desinformação” nas eleições brasileiras.

Aos fatos: as polêmicas urnas são fabricadas pelo Grupo Positivo, da família do hoje senador Oriovisto Guimarães – outro do círculo de confiança militar.

Estreante na política, Guimarães foi eleito de forma surpreendente, desbancando os favoritos nas pesquisas, Requião e Beto Richa. No Senado, o empresário é cabo eleitoral de Sérgio Moro e autor de uma proposta que prevê três candidatos no segundo turno das eleições presidenciais.

A integridade dos votos que saem das urnas da Positivo e vão para os computadores da Oracle é garantida pela Kryptus, cujo fundador também vem da Unicamp. A empresa é responsável ainda pela segurança cibernética das Forças Armadas, incluindo o sistema de comunicação de caças e soluções de hardware para a Marinha.

Os contratos com o Ministério da Defesa têm ajudado a Kryptus a atingir faturamentos recordes.

Condecoração do CEO da Kryptus por sua contribuição às Forças Armadas

A estrutura operacional-financeira das eleições nacionais se confunde com a das Forças Armadas. Ao lançar boatos alimentados diariamente pela mídia, o sistema faz com que o inimigo, que deveria investigá-lo, passe a defendê-lo. As primeiras linhas do Manual de Operações Psicológicas do Exército evocam Sun Tsu: “Lutar e vencer todas as batalhas não é glória suprema. A glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar“.

“Nossa civilização escolheu a máquina, a medicina e a felicidade. Eis por que é preciso guardar esses livros trancados no cofre”.
Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo

As leis marciais da pandemia consolidam a Era das Distopias. A tecnofinança engole todas as relações humanas: institucionais, produtivas, comerciais, educativas, afetivas.

O Facebook contabiliza 2,74 bilhões de usuários; YouTube, 2,291 bilhões; WhatsApp, 2 bilhões. Universitários norte-americanos passam 12 horas diárias distraídos com alguma mídia. Ninguém passa mais tempo conectado aos aplicativos do que os brasileiros.

Mais ovelhas no curral Big Tech. Mais controle, “disfunção social, extremismo, polarização”. Mais dispositivos com comando de voz gravando tudo dentro das casas, apartamentos, escritórios, e repassando as conversas a terceiros.

Mais matéria-prima gratuita transformada em dados comportamentais. Shoshana Zuboff, Capitalismo de Vigilância (2019): esses dados alimentam “produtos de predição que antecipam o que um determinado indivíduo faria agora, daqui a pouco e mais tarde”, gerando “uma nova espécie de poder que chamo de instrumentarismo. O poder instrumentário conhece e molda o comportamento humano em prol das finalidades de terceiros. Em vez de armamentos e exércitos, ele faz valer sua vontade através do meio automatizado de uma arquitetura computacional cada vez mais ubíqua composta de dispositivos, coisas e espaços inteligentes conectados em rede”. Todo esse aparato “produz um entorpecimento psíquico que nos habitua às realidades de estar sendo seguido, analisado, minerado e modificado”.

Afinal, segundo os operadores da tecnofinança, “o propósito fundamental da maioria dos funcionários do Facebook que trabalham com dados é influenciar e alterar os estados de espírito e o comportamento das pessoas“. Assim, “ciclos de feedback de curto prazo impulsionados pela dopamina que nós criamos estão destruindo o funcionamento da sociedade“.

Neste mundo de entorpecidos felizes, pensar é atitude suspeita.

Servidão voluntária

“Não nos contentamos com a obediência negativa nem com a submissão mais abjeta. Quando finalmente se render a nós, terá de ser por livre e espontânea vontade”.
George Orwell, 1984

Para além da grana, nossos dados servem à vigilância estatal.

Tudo em casa. A própria “incubação do Google, desde sua concepção, na comunidade norte-americana de inteligência, ocorreu por meio de uma combinação de financiamento direto e redes informais de influência financeira, elas próprias alinhadas com os interesses do Pentágono“.

A instituição referência no combate à pandemia é também a que recebe 3,6 milhões de euros para, monitorando nossas emoções, “desenvolver tecnologia que possa ler o quanto as pessoas gostam do conteúdo ou dos anúncios que estão assistindo online“.

A simbiose entre Estado e tecnofinança torna imperceptível o uso de dinheiro público para criar armadilhas a nós mesmos.

Ofuscada pela pandemia, a simbiose torna o provisório permanente.

E alimenta sem alarde a máquina de guerra do império.

Se a guerra é a política por outros meios, garanta-se os dois. Mais dados ajudam a influenciar “eleitores com base não em seus dados demográficos, mas em suas personalidades“, como no referendo Brexit e nas eleições yankees de 2016.

No totalitarismo tecnofinanceiro, a internet torna certeiro o lucro dos bancos e torna a sociedade dócil à aprovação de leis contra ela própria.

Por nossa livre e espontânea vontade.

O poder total não admite o contraditório. Gigantes da internet e grupos de mídia servem aos mesmos senhores. E mesmo redutos que ostentam o rótulo de independente trazem nos seus balanços financeiros a marca da besta.

A academia, cada vez mais dependente de grana privada, recebe até US$ 18 mil do Google por artigos pró-empresa. E não o menciona como fonte de financiamento.

A última fronteira

“Parecendo feitas de ar reluzente, as paredes transparentes que nos cercam nos deixam sempre à vista, banhando-se eternamente em luz. Esta forma de viver facilita a difícil e nobre missão dos Guardiões, além disso, nada temos a esconder uns dos outros”.
Ievgueni Zamiátin, Nós

Uma vez que “as paredes não mais protegem o indivíduo do ambiente externo, da vigilância de sua vida pessoal, seja pela indústria, seja pelo Estado“, restava o corpo. Mas após experimentos não tão felizes comercialmente, aplicativos de monitoramento da saúde já extraem dados não-relacionados à sua função, como nossa localização, conexões wi-fi, fotos e vídeos, lista de contatos e ativam o microfone do telefone celular para nos gravar.

Pensando no futuro, há pedidos de patente como o da Microsoft para monitorar pessoas e prever “desvio do comportamento normal ou aceitável”.

As visões de Zamiátin, Orwell e Huxley se materializam. Mas já não há resistência.

“Graças à internet e às redes sociais, nossos hábitos, nossas preferências, opiniões e mesmo emoções passaram a ser mensuráveis. Hoje, cada um de nós se desloca voluntariamente com sua própria ‘gaiola de bolso’, um instrumento que nos torna rastreáveis e mobilizáveis a todo momento. No futuro, com a ‘internet das coisas’, cada gesto irá gerar um fluxo de dados não mais exclusivamente ligado aos atos de comunicação e de consumo, mas também a fatos como escovar os dentes ou adormecer no sofá da sala”.
Guiliano Da Empoli, Os Engenheiros do Caos (2019)

A cidade pestilenta, atravessada inteira pela hierarquia, pela vigilância, pelo olhar, pela documentação, a cidade imobilizada no funcionamento de um poder extensivo que age de maneira diversa sobre todos os corpos individuais – é a utopia da cidade perfeitamente governada. A peste (pelo menos aquela que permanece no estado de previsão) é a prova durante a qual se pode definir idealmente o exercício do poder disciplinar. Para fazer funcionar segundo a pura teoria os direitos e as leis, os juristas se punham imaginariamente no estado de natureza; para ver funcionar suas disciplinas perfeitas, os governantes sonhavam com o estado de peste”.
Michel Foucault – Vigiar e Punir, 1975

Klaus Schwab, A Quarta Revolução Industrial (2016): “Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”.

Schwab é fundador e porta-voz do Fórum Econômico Mundial. Ele, príncipe Charles, Microsoft, Amazon, Pfizer, Shell e outras gigantes anunciam um “grande reset” nas bases da economia mundial: um “novo contrato social”, com decisões globais para problemas globais, calcado em Inteligência Artificial, biotecnologia, energias renováveis. Nessa revolução, robôs substituirão paulatinamente o trabalho humano. E o BIS (Bank for International Settlements) coordenará a implantação de um sistema financeiro global, para o qual é preciso “alavancar o Blockchain como nunca antes” visando à criação de uma moeda única.

Um novo processo de turbinação da mais-valia. Como os anteriores, traz promessas sedutoras: um capitalismo mais humano, ecológico, responsável.

Dos resets mais modernos, lembremos o taylorismo/fordismo do começo do século 20: linha de montagem, especialização, compartimentação, produção em massa para consumo em massa. Requeria mais mão-de-obra, salários mais altos e mais compras, consolidando um ciclo.

Na segunda metade do século, o toyotismo aperfeiçoa o sistema, eliminando desperdícios e trazendo o just-in-time. Os fornecedores tornavam-se uma extensão das linhas de montagem, num fluxo contínuo de produção.

Esse modo de produção depende de sincronicidade para manter a cadeia produtiva. Kanban.

Os lockdowns intermitentes quebram essa sincronia: a falta de regularidade mata o toyotismo, descompassando a produção. O descompasso gera escassez, aumento de preços dos insumos, redução do consumo e quebra das pequenas e médias empresas – obrigadas a recorrer a instituições financeiras para sobreviver.

Saldo dos primeiros meses do reset: 97 milhões de pessoas a mais entre as que vivem com menos de US$ 1,90 por dia.

Pobreza e felicidade

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais”.
Marx e Engels – O Manifesto Comunista, 1948

Resets visam sempre ao lucro do capitalista, não ao bem-estar coletivo. Pelo contrário: ao longo do tempo, quanto mais a tecnologia produtiva avançou, pior para o proletariado. No atual auge tecnológico, os millenials estadunidenses, ao atingir os 40 anos, detêm 4,8% da riqueza mundial; a geração anterior, X, detinha 9%; os baby boomers, 21%.

A revolução de Schwab dará sobrevida ao lucro jogando mais pessoas para fora do sistema produtivo. Recursos naturais, energia e comida ficarão ainda mais concentradas. Não-sócios do Fórum ficarão sem acesso à alimentação adequada, congelarão no inverno do norte por falta de energia, dependerão de salários miseráveis e políticas assistenciais. Mas eles garantem: seremos felizes.

Para toda essa revolução, a Covid-19 é uma janela de oportunidade.

O grande irmão e os irmãos menores

…no decorrer dos séculos havíamos imaginado ameaças na forma de poder estatal. Essa crença nos deixou completamente despreparados para nos defendermos de novas empresas com nomes criativos, dirigidas por jovens gênios que pareciam capazes de nos prover com exatamente aquilo pelo qual ansiávamos com um custo mínimo ou nulo”.
Shoshana Zuboff – A Era do Capitalismo de Vigilância, 2019

Quando o Capital parecia agonizar, a pandemia garantiu-lhe um fôlego via Big Pharma mais injeções de dinheiro público. O escolhido para gerir o resgate financeiro: Blackrock, maior fundo de ativos do mundo. Junto com o vice-campeão Vanguard, são donos de Pfizer, Moderna, Johnson&Johnson e Astrazeneca. Também são donos de canais de TV, estúdios de cinema, jornais, revistas, Facebook, Apple, Microsoft, Google, Amazon e todas as grandes mídias, além de acionistas um do outro.

O fundamental: não aparecem, sempre ocultos por um selfmade man.

Desestabilizando a cadeia produtiva, os lockdowns geram mais mão-de-obra barata para suas empresas. O isolamento social e o ensino à distância turbinam seus aplicativos e suas respectivas ferramentas de extração e controle de dados. E seus mecanismos de mineração-manipulação de massa que ameaçavam quebrar, subitamente ressuscitam.

Com a proibição de shows, peças, filmes, todas as expressões culturais ficaram sujeitas aos algoritmos. O fim da privacidade previsto por Zuckerberg.

Vigilância no lazer, no trabalho, nas compras, no sono. A conversão ininterrupta de cidadãos em consumidores. O Grande Irmão recebido de braços abertos.

O espantalho e os fazendeiros

Em uma era em que a memória é terceirizada para Google, GPS, alertas de calendário e calculadoras, há necessariamente uma perda generalizada de conhecimento, que não é apenas memória, mas também memória motora. Em outras palavras, um processo de longo prazo de desativação de conexões em seu cérebro está em andamento. Isso oferecerá vulnerabilidades e oportunidades”.
Johns Hopkins University e Imperial College London – Cognitive Warfare, 2021

No Brasil, a oportunidade foi aproveitada.

Sob emergência pandêmica, a gestão Bolsonaro conseguiu sem resistência desviar dinheiro da saúde, educação, ciência e tecnologia para o mercado assegurando a perpetuação desses desvios.

Com a mesma alegação, o país voltou a se endividar em moeda estrangeira, por emissão de títulos e empréstimos diretos. A tributação dos bancos foi reduzida, garantindo-lhes recordes sucessivos de lucro, enquanto o que resta de indústria nacional sofreu novo ataque com o fim das taxas de importação para bens de informática e telecomunicações.

O clima de pânico ainda encobriu a legalização da evasão de divisas e a privatização das águas. Link com o reset: o autor do projeto, Tasso Jereissati, é o representante nacional da Coca-cola, que tem entre seus acionistas Bill Gates.

Também via Microsoft, a Big Tech estendeu seus tentáculos para os setores nacionais de energia, finanças e educação. Aqui, o ensino à distância – galinha dos ovos de ouro da família Guedes – encontrou a tempestade perfeita. A educação, agora mediada pelo Big Data, bombou os negócios do ministro da Economia e dos grupos de interesse nele representados.

Estendendo a pandemia, o sistema trabalhou para que o Brasil freasse estudos sobre a doença e fechasse sua única empresa capaz de fornecer sensores baratos e eficazes para detecção precoce do vírus, ao mesmo tempo em que liberava seu espantalho para aumentar as contaminações. Aos militares coube sabotar o tratamento de pacientes e garantir a disseminação do vírus por todo o território.

Na frente pró-Big Pharma, o espantalho foi encarregado de queimar os chineses; o Congresso eliminou o imunizante indiano; e uma Anvisa aparelhada fechou a porta para os russos.

O fim da História

Vários tipos de crenças podem ser introjetados em pessoas depois de suas funções cerebrais terem sido suficientemente danificadas, acidentalmente ou deliberadamente induzidas, por medo, raiva ou excitação. Entre os resultados desses distúrbios, o mais comum é a perda temporal de senso crítico e a sugestionabilidade potencializada. Essas manifestações de grupo, algumas vezes classificadas como ‘instinto de rebanho’, se evidenciam em tempos de guerra, epidemias severas e demais períodos de ameaça coletiva, intensificando ansiedades e sugestionabilidade em massa”.
Tavistock Institute – Battle for the Mind, 1957

Sob o medo, o sistema foi reiniciado, incubando leis marciais, corroendo o tecido social, concentrando riqueza. Um passo a mais no sistemático trabalho de nos domesticar usando empresas de fachada dos serviços de inteligência, de nos estudar usando nossos celulares, computadores e TVs para que apoiemos medidas contra nós mesmos.

Não se investigou a austeridade, os sucessivos cortes no financiamento à saúde, nas pesquisas capazes de desenvolver medicamentos e vacinas próprios. Abraçamos a mídia que costumávamos questionar. Abraçamos a OMS dos Gates e sua devoção à saúde pública, não obstante à sua sociedade com Coca-cola, McDonald’s, Exxon Mobil.

China, Cuba e Venezuela, antigos aliados, foram abandonados por tratarem seus pacientes com medicamentos não aceitos pela Big Pharma.

No Terceiro Reich pós-moderno, reuniões são malvistas. Duvidar é conspirar. Não há abraços, nem beijos – só desumanização contínua, regressão cognitiva, socioafetiva. Resistir significa o exílio em novos guetos.

Celebremos, então, o Papai Noel quarentenado, a falta de comida, os velhos trabalhando. Todo mundo feliz.

Não temos mais um homem que ‘reina’ graças à tecnologia inventada por ele, mas, ao contrário, temos um homem submisso à tecnologia, dominado pelas próprias máquinas. O inventor é esmagado pelos seus inventos”.
Giovanni Sartori – Homo videns, 2001





…infelizmente, a maioria dos brasileiros defende a Petrobras estatal. Diante disso, cabe a nós seguir fatiando a empresa para entregá-la, pedaço por pedaço, às multinacionais. Assim, nos preservamos da opinião pública e seguimos nosso projeto.
               Estamos no rumo certo. Entregamos ao mercado a BR Distribuidora, acabamos com o conteúdo local, que tanto prejudicou o lucro dos parceiros internacionais, aprofundamos a venda de ativos e os leilões do pré-sal. Serra que me perdoe, mas é (sic) Bolsonaro e Paulo Guedes os responsáveis por executar este plano brilhantemente
”.
Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras – Relatório aos acionistas, agosto de 2019

Novembro de 2021: 5 anos após o último golpe de Estado, o litro da gasolina chega a R$ 8,00. E não há teto no horizonte.

O “projeto” de Castello Branco, Bolsonaro, Guedes e seus parceiros internacionais segue seu rumo. Oficialmente, o projeto se chama Preço de Paridade de Importação, PPI. A partir dele, a Petrobras passou a calcular o preço de seus combustíveis pela cotação internacional do barril de petróleo e custos de produção e operação dos Estados Unidos. O cálculo também considera a cotação do Real frente ao dólar, que Guedes acha “interessante” manter em 5.

Assim, acrescenta-se ao preço do combustível nacional os mesmos custos com o transporte e taxas portuárias que petroleiras estrangeiras têm. Em números: “o custo da produção nacional é estimado em US$ 30 a US$ 40 o barril, mas a empresa usa como referência o petróleo internacional, que está custando cerca de US$ 80 por barril”.

A atuação do governo lesa o brasileiro, uma vez que o país produz mais petróleo do que consome desde 2006.

Para garantir mercado às petrolíferas estrangeiras, o governo reduziu em um terço a capacidade de refino da Petrobras, matando a competitividade da empresa e deixando o país dependente das importações – algo que a mídia noticia como desinvestimentos.

É uma escolha deliberada do governo para transferir riqueza nacional a cofres privados. Quando, ocasionalmente, o tema vem à baila, troca-se o presidente da empresa, mas o “projeto” segue. Para manter o saque, mantém-se um militar no comando da empresa, com salário de R$ 220 mil/mês.

O PPI entrou em vigor em outubro de 2016, quando o litro da gasolina custava R$ 3,66.

A Petrobras de então era a maior produtora mundial de petróleo; hoje, é a 31ª.

Para compensar a queda de produção, a atual direção está elevando a participação da empresa na composição do preço, de 28,7%, em 2017, para 33,4% agora em 2021.

Além do aumento de 107,7% no preço da gasolina, o PPI causou altas de 287,9% para o gás de cozinha e 92,1%, para o diesel, contra uma inflação de 25,4% no intervalo.

Em prol dos parceiros internacionais, o projeto de Castello Branco, militares, Bolsonaro e Guedes turbinou a inflação, a fome e a perda do poder de compra.

Vampiras

Em propaganda oficial, o governo informa receber só R$ 2,33 por litro de gasolina. O que esconde: seu custo de extração e refino, incluída sua participação e custo de afretamento no 2º trimestre de 2021, foi de US$ 20,16 por barril. Considerando que um barril tem 159 litros de óleo, temos uma média de R$ 0,67 por litro de derivado (cotação de 5,30 R$/US$, do 2º trimestre 21).

Pode se assumir, conservadoramente, que o custo de equilíbrio seja de 25,00 US$/barril. Somado ao custo de refino, também conservador, de 2,00 US$/barril, se totaliza o custo de 27,00 US$/barril, suficientes para arcar com custos operacionais, juros, impostos, seguros, depreciação e amortização. Temos o custo total de 0,90 R$/litro dos combustíveis produzidos, em comparação com os Preços Paritários de Importação (PPI) proporcionam lucros superiores a 100%”.
Felipe Coutinho, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras

Graças ao “projeto”, acionistas estrangeiros, hoje donos majoritários da empresa após as privatizações, estão recebendo dividendos jamais vistos na história – dinheiro que deveria ajudar a União em políticas de estabilização de preços, se a participação estatal na Petrobras não fosse cada vez mais baixa.

Entre os grandes beneficiados com os lucros estão acionistas gigantes da finança mundial como Baillie Gifford, Capital e Goldman Sachs, controlados das sombras por fundos mútuos ainda maiores, como Vanguard e Blackrock.

Não por acaso, são os mesmos fundos proprietários de Shell, British Petroleum, Chevron e outras petroleiras envolvidas no golpe de 2016.

Enrico Mattei, então presidente da ENI – a Petrobras italiana – as chamava de vampiras, citando o acordo entre elas feito em 1928, quando planejaram a partilha do mercado de hidrocarbonetos. Em 1962, o avião em que Mattei viajava explodiu no ar. Mais um nome na extensa lista dos ficam no caminho das petrolíferas: Mossadegh, Abdel Nasser, Jaime Roldós, Saddam Hussein, al-Gaddafi.

No Brasil, os explosivos usados pelo Departamento de Estado americano foram Judiciário, imprensa e congressistas. Desde então, as vampiras têm abocanhado campos de petróleo, refinarias, usinas de biocombustíveis, fertilizantes, gasodutos, redes de distribuição.

A história das civilizações é a história da extração e utilização de energia. A história da imprensa brasileira é a história da sabotagem à Petrobras.

Enquanto não compreendermos isto, pagaremos pela árvore – formação de mão-de-obra, pesquisa, infraestrutura, prospecção, exploração – para que outros povos colham o fruto. A privatização total, então, “deixará de ser uma utopia”.

Política cognitiva, para oferecer uma definição preliminar, consiste no uso consciente ou inconsciente de uma linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes diretos e/ou indiretos de tal distorção”.
Guerreiro Ramos – A Nova Ciência das Organizações

Há uma tendência dos seres humanos de ver conscientemente o que gostariam de ver. Eles literalmente têm dificuldade em ver coisas com conotações negativas, enquanto enxergam com cada vez mais facilidade itens que sejam positivos“.
Lionel Tiger – Otimismo, A Biologia da Esperança

Trata-se de enganar mostrando, o ‘engana-olho’ estético: o ‘agradável’ da forma exibida anestesia sensorialmente a sensibilidade crítica”.
Muniz Sodré – Antropológica do Espelho

Como no sonho e na hipnose, na atividade anímica da massa a prova da realidade recua, ante a força dos desejos investidos de afeto“.
Freud – Psicologia das Massas

A mentira é uma forma de talento, enquanto que o respeito pela verdade vai de par com a grosseria e com a falta de finura”.
Cioran – Silogismos da Amargura

Portanto, visto que a aparência, como o demonstram os sábios, violenta a verdade e é senhora da felicidade, para ela devo tender inteiramente“.
Platão, A República

Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem“.
José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira

Em muitos casos, o dinheiro das drogas era o único investimento com capital líquido”.
Antonio Maria da Costa, diretor do Escritório da ONU para Drogas e Crime, sobre o mercado financeiro na crise de 2008.

Na ascensão de Pablo Escobar, a aviação civil colombiana tinha como diretor Álvaro Uribe Vélez. Era ele quem garantia as licenças de voo ao cartel.

Virginia Vallejo, ex-amante de Escobar

Ao tornar-se presidente, o narcotráfico teria um dos seus oficialmente comandando o país. As provas só emergiram anos depois de Uribe ter deixado o cargo.

É praxe: o império registra as contravenções de seus comandados. Assim que esses perdem a serventia, o registro vaza. O que aconteceu com Uribe aconteceu com Escobar, Pinochet, Barry Seal.

Cai Uribe, mas a linha sucessória do tráfico se mantém, franqueando o acesso dos norte-americanos ao continente. Assim, a política antidrogas da Casa Branca garante sucessivos recordes de produção da coca, enquanto a mídia financista mantém os olhos da massa no espantalho.

Apesar da pujança dos negócios, quase um terço dos colombianos vive abaixo da linha de pobreza. Só 2,6% do lucro da cocaína fica no país. O resto é reciclado pelos bancos para voltar limpo ao mercado.

No pós-crise de 2008, o Wells Fargo, lavanderia dos cartéis mexicanos, se tornou o banco mais valioso do mundo.

Reorganizando a logística

Em janeiro de 2020, um jato com registro norte-americano levando 1 tonelada de cocaína foi capturado no México. Havia sido carregado na província boliviana de Guayaramerín, feudo da família de Jeanine Añez. Esta, recém-empossada presidente da república após o golpe de Estado gestado pelos norte-americanos.

A investigação concluiu que a droga tinha como destino os EUA, e a grana cobriria gastos de campanha de Añez ao Senado boliviano.

As ligações da presidente com o tráfico vão além: o jato pertencia ao cartel de Jalisco, que mantinha membros atuando em seu governo; e um sobrinho dela também já havia sido preso com meia tonelada de coca em seu avião.

A senadora preenche os requisitos da Casa Branca, ao contrário de Evo Morales, que havia expulsado o DEA da Bolívia.

Em áudios disponíveis na internet, os golpistas mencionam suporte da embaixada norte-americana e reuniões com os governos de Brasil, Paraguai e Argentina para “organizar y planificar acciones de desestabilización contra el gobierno”.

Famiglia

A Argentina dos áudios ainda não era a da chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner, que meses antes conseguira desmascarar um agente sob disfarce de advogado junto à lava jato local visando impedir sua eleição.

Era de Mauricio Macri, cujo sobrenome e negócios remetem à máfia calabresa, operadora das rotas da cocaína e heroína à Europa.

A Ndrangheta do patriarca Antonio Macri tem estrutura familiar e movimenta 3% do PIB italiano, também bancada pelo mercado financeiro.

Tal como os colegas colombianos, Macri abriu o território argentino aos norte-americanos.

Tríplice fronteira

Nas palavras da embaixadora norte-americana Liliana Ayalde, o Paraguai é um país onde “nossa influência é muito maior que nossas pegadas”.

Foi lá que, em meio à pandemia de Covid19, Macri foi flagrado desembarcando de um jato do empresário Horácio Cartes para encontrá-lo. Supostamente, para tratar de futebol, ramo onde ambos atuam.

Déjà-vu: Cartes foi eleito presidente do Paraguai pós-golpe de Estado, tem parente preso por tráfico e um banco pra lavar dinheiro.

Nesse banco, seu sócio é o brasileiro Dario Messer, chamado pelos colegas de ofício de “doleiro dos doleiros”. Monitorado há 20 anos pela inteligência norte-americana e envolvido em todos os grandes casos de corrupção no Brasil, escapou ileso por 20 anos, mesmo atuando debaixo do nariz da lava jato paranaense.

A tríplice fronteira é a menina dos olhos do Pentágono e nossa principal porta de entrada das drogas. A cocaína de Colômbia e Bolívia, mais a maconha paraguaia, entram majoritariamente pelo Mato Grosso do Sul, enquanto as armas seguem sentido contrário, vindas de Miami.

É ali que Cartes e Messer cumprem etapa importante da logística do narcotráfico. Sob o véu do agronegócio, a região tem mais de 250 portos clandestinos protegidos por militares. Parte fica em terras de empresários da soja como Flávio Pascoa Teles de Menezes, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SBR).

Menezes financiou a campanha do hoje ministro Ricardo Salles à Câmara, o que defende “passar a boiada” sobre a Amazônia.

Entrega garantida

O Paraguai é o centro da “rota caipira” que sai de Peru e Bolívia até os portos brasileiros, onde a droga é embarcada ao Velho Mundo. Essa rota é dominada pelo PCC.

A facção nascida em São Paulo tem vínculos financeiros com governos tucanos, mas articula e fortalece sua base em presídios de todo o país.

Assim que assumiu o Ministério da Justiça em 2019, Sérgio Moro reuniu os cabeças do PCC em um mesmo presídio. Ele já havia fechado acordo com Jeanine Añez para repatriar traficantes brasileiros que estavam em prisões da Bolívia.

No mal contado envolvimento de Ronaldinho Gaúcho com o narcotráfico paraguaio, foi também Moro que intercedeu pessoalmente para tentar tirar o embaixador brasileiro da cadeia.

No governo de um presidente ligado a milícia, onde a primeira-dama tem avó e tio envolvidos com o crime, os atos do ministro Moro não chocam.

Tudo é normalidade. Há registros do uso de veículos militares para o tráfico, mas nunca a aeronave presidencial, como agora.

O rearranjo está quase completo. Falta integrar a não-alinhada Argentina e a problemática Venezuela. Esta, além de ter anulado o agente Juan Guaidó, parece agora querer melar os negócios do narcotráfico, inclusive fora do continente.

Mas o império narcofinanceiro encontrará um caminho. Mesmo que este siga tornando seu quintal o lugar mais violento do mundo.

Mas por que os documentos dos bancos vazaram agora?

Lista de lavagem de dinheiro fornecida pelo governo dos EUA ao ICIJ traz JP Morgan, Deutsche Bank e outros.

Vazamento é uma etapa da crescente exposição midiática sobre a participação dos bancos na geopolítica da droga. Além do HSBC, nascido do tráfico britânico de ópio, vez por outra surgem matérias sobre bancos traficando, mas com exposição curta e sem repercussão. Drogas ilícitas seguem ocultas como commodity-base da finança que movimenta US$ 400 bilhões/ano – 8% do comércio global.

Indochina

Além da banca financeira, há as guerras. Sem tráfico, o império estadunidense é insustentável.

Nos anos 50, usaram LSD e mescalina em cobaias humanas no projeto MK Ultra.

O ópio banca impérios há quase 200 anos, mas a vitória dos comunistas na guerra civil chinesa em 1949 inviabilizou o tráfico que deu origem ao HSBC. Os norte-americanos, então, fizeram do Triângulo do Ouro o centro de produção e distribuição de heroína, guardado pelas tropas derrotadas e expulsas da China pelo exército de Mao Tsé-Tung.

Roger Trinquier, coronel francês que participou dos ataques à então Indochina, conta que a droga partia dos laboratórios locais para os traficantes de Marselha, que a vendiam na Europa. A grana ajudava a financiar chineses rebeldes, seus instrutores e demais operações norte-americanas na região. O transporte ficava a cargo da Air America, empresa de fachada da CIA cuja história virou pastiche hollywoodiano.

Um HSBC da vez era o banco Nugan Hand, outra fachada.

A indústria franco-americana da droga prosperou em determinado tempo-espaço, como na Birmânia do traficante Lo Hsing Han.

Mas o avanço do Tet no Vietnã atrapalhou os negócios, levando os invasores a montar um false flag que justificasse o envio de seus próprios soldados. A confirmação da farsa só viria a público em 2001.

Em 1975, os norte-americanos desistiram da região e retiraram seu aparato militar. Mas o saque ocidental tornara o Sudeste da Ásia fonte de 70% da matéria-prima para ópio e heroína no mundo.

Afeganistão

4 anos após a “derrota” no Vietnã, os norte-americanos investiam num novo campo de ópio: Afeganistão. Até então, esse país tinha economia agrícola diversificada, jardins, praças floridas com mulheres em trajes ocidentais circulando livres.

Afeganistão pré-talibã

A desestabilização começa com a criação do talibã, chefiado pelo saudita Osama Bin Laden, que os EUA apresentam ao mundo como herói da liberdade.

Conta Zbigniew Brzezinski, assessor de segurança nacional de Jimmy Carter: “Segundo a versão oficial da história, o suporte da CIA ao Mujahedin começou em 1980, quer dizer, após o exército soviético ter invadido o Afeganistão em 24 de dezembro de 1979. Mas a verdade, escondida até hoje, é outra: foi em 3 de julho de 1979 que o  presidente Carter assinou a primeira diretiva de apoio secreto aos adversários do governo pró-soviético em Cabul”.

Os heróis da liberdade derrubaram o governo afegão. E como a Indochina de meio século antes, o país foi transformado numa grande monocultura de papoula, registrando sucessivos recordes de colheita.

Não por coincidência, o outro grande centro produtor é a Birmânia, agora Mianmar, onde a operação norte-americana frutificara.

11 de setembro

As coisas correram bem para a Casa Branca até 2000, quando o Talibã resolveu proibir o cultivo de papoula no país, praticamente zerando a produção. De heróis, os guerreiros passaram ao Eixo do Mal.

Hora de acionar Bin Laden novamente. Aviões, torres desabando, comoção mundial, e os yankees estão legitimados para invadir novamente o Afeganistão. O desembarque das tropas da OTAN garante a volta do ópio em produção recorde.

De quebra, a indústria da heroína é expandida ao Iraque, também invadido sob a farsa das armas químicas.

Bônus: os EUA levam a Afghan Kush pros seus domínios, gerando um bilionário mercado interno de maconha.

A heroína bancou ainda assaltos dentro da Europa. Com o lucro da droga, a OTAN destroçou a Iugoslávia utilizando traficantes do Kosovo.

Criava-se, assim, nova rota de abastecimento aos consumidores do Ocidente. E quem fosse contra, iria pro Eixo do Mal.

“A Operação Liberdade Duradoura– juntamente com a ‘libertação’ do Iraque – custou uns espantosos vários milhões de milhões de dólares. E ainda assim a rota da heroína, a partir do Afeganistão ocupado, prospera (…) operações externas da CIA são financiadas a partir destes lucros. A acusação de que os Talibã estavam a utilizar o comércio de heroína para financiarem suas operações era uma falsificação e uma forma de apontar a direção errada”. (Pepe Escobar, Diário Liberdade)

Cuba Libre

Um dos distribuidores da heroína no continente americano era Lucky Luciano. Era um dos cabeças da máfia que comandava Cuba nos anos 50, junto com Meyer Lansky,  e Santo Trafficante, sócios de Fulgencio Batista e Frank Sinatra.

Aí, um bando de guerrilheiros armados tomou o controle da ilha. A Casa Branca tentou uma invasão pela Baía dos Porcos, mas Cuba resistiu. Santo Trafficante recebeu da CIA a missão de matar o líder da resistência, Fidel Castro. Falhou, assim como falharam as outras 600 e poucas tentativas de matá-lo.

Sem Cuba, os EUA transferiram parte da estrutura do tráfico a Miami, the Little Havana. Outra parte foi para o México, onde a CIA instalou o cubano expatriado Alberto Sicilia-Falcon, encarregado de fornecer armas para os cartéis locais.

Doutrina Monroe turbinada

América para os americanos, cocaína pra pagar a conta. No trabalho de se evitar novas Cubas, um dos alvos principais dos EUA era a Nicarágua sandinista. O tráfico de coca bancou formação e treinamento de uma nova guerrilha made in US, ao custo de uma epidemia em todo o continente. Nascia o crack.

A grana vinha também do contrabando de armas para o Irã.

Celerino Castillo, ex-agente do DEA, explicou como os aviões carregados da droga decolavam de países aliados, como El Salvador, sob proteção norte-americana.

A produção ficava centralizada na Colômbia e Bolívia. O Chile de Pinochet traficava em escala menor, mas o suficiente para encher os bolsos do general e sua entourage.

Griselda Blanco foi a primeira a fazer a cocaína chegar até Miami. Mas foi Pablo Escobar quem atingiu status de estrela, levando 800 quilos de cocaína/semana para os EUA, sob supervisão de CIA e DEA. Detalhes dessa pareceria estão no livro escrito pelo filho do colombiano, mas também na indústria de Hollywood: um dos transportadores da droga era o piloto e agente da CIA Barry Seal.

Na frente boliviana, um golpe de Estado planejado pelos EUA e os ricos de Santa Cruz de La Sierra levava ao poder, em 1970, o general Garcia Meza, garantindo o país andino como maior produtor mundial de cocaína.

O ex-DEA Michael Levine registrou toda a negociação e logística da droga: da Bolívia, seguia via área ao México, onde os militares locais garantiam a passagem até a entrega em terras estadunidenses.

Em outra frente, também com cumplicidade dos governos militares, o Brasil servia como rota de passagem e distribuição à Europa.

Hoje, de saída de seus campos asiáticos, o império do tráfico parece disposto a melhorar sua logística, investindo no velho quintal.




 

 

 

 

 

Forças que operaram ataques aos governos petistas reemergem com os movimentos Estamos Juntos e Juntos pela Democracia e pela Vida. Este, capitaneado por Fundação Lemann e Itaú, propõe “cerrar esforços para barrar a marcha bolsonarista” rumo à “ruptura do Estado Democrático de Direito”.

Subscrevem-no Acredito, RAPS, RenovaBR, Instituto Igarapé, além de outras organizações identitárias. Há também o braço estrangeiro, com Transparência Internacional (Open Society, Siemens, Equinor, Governo da Suíça, Microsoft, Depto de Estado Americano, BHP, Fundação Ford, Pierre Omydiar); WWF (Ambev, Google, HSBC, Itaú, Coca-Cola); e a onipresente National Endownment for Democracy (NED), Ong norte-americana operadora das revoluções coloridas/primaveras na Ucrânia, Irã, Hong Kong, Venezuela.

Já o Estamos Juntos reúne atores globais, ex-integrantes do Governo Michel Temer como Ilan Goldfajn e Marcelo Calero, Fernando Henrique Cardoso (poupado pela Lava Jato), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, Luciano Huck e Marcelo Tas, aliado do Partido Democrata. É mais vago: “…defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.

Entre os assinantes, sobrenomes conhecidos – como Joana Jereissati, filha de Tasso Jereissati e Sofia Carvalhosa, de Modesto Carvalhosa – e outros ligados à Operação Lava Jato e à queda de Dilma Rousseff: Miguel Reale Jr., Selton Melo, Barbara Paz, Samuel Rosa.

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A eles juntam-se supostas vítimas do golpe de 2016 – Fernando Haddad, André Singer e Eugênio Aragão – e satélites: Guilherme Boulos, Manuela D´Ávila, Marcelo Freixo, Flávio Dino, Jandira Feghali. Há lideranças partidárias de PSB, PDT, Rede, cientistas políticos, filósofos e economistas frequentes em páginas e telas da grande mídia.

Encontro direita-esquerda também se dá no Basta!, que vai do ex-procurador Carlos Fernando dos Santos ao ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Cardozo.

Define-os o ex-senador Roberto Requião: “reunião de políticos frouxos, pusilânimes, disponíveis e desfrutáveis com um amontoado de oportunistas, com as madalenas hipoteticamente arrependidas, com os assassinos de reputações, com os ditos liberais, com os mercadores e rentistas, com banqueiros e ex-banqueiros, com animadores de auditório, com ex-presidentes e ex-ministros que atentaram contra o Estado Nacional e alienaram a nossa soberania”. Ou “a mesma merda, sempre”.

Ventos de 2013

Outro a reemergir é o Anonymous, desta vez em companhia do Antifa – em sincronia com protestos nos EUA pelo assassinato de George Floyd, asfixiado pelo ex-colega de trabalho Derek Chauvin.

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Mais sincronismos: um estudo da Lancet que condenava o uso de cloroquina no tratamento à Covid19 é publicamente questionado; a mídia britânica descobre que hospitais citados no estudo não forneceram dados; autoridades de saúde que defendiam o isolamento passam a desqualificá-lo; o vírus vai perdendo lugar para a fome nas manchetes; governadores liberam as ruas.

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Sopram os ventos de 2013, observa Wilson Ferreira. Condenando uma nação a seu eterno retorno nietzschiano.

As manobras da justiça e o desmonte da economia mudam a imagem otimista que o Brasil vendia ao mundo.

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Petrolíferas estrangeiras e outros entusiastas da lava jato colhem seus frutos. Quase 400 empresas nacionais passam ao capital internacional, e o país começa a importar o que antes produzia. O sucesso da operação leva os EUA a avançar sobre outros setores da economia, como o da aviação.

Convidado por Jair Bolsonaro, a quem ajudou durante a campanha eleitoral, Sérgio Moro vira ministro de Estado. Parte da imprensa se diz enganada pelo juiz.

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Junho de 2019: The Intercept passa a publicar mensagens trocadas entre Moro e os procuradores da lava jato em que traçam estratégias para afastar o PT do poder, pautar a imprensa e poupar políticos aliados. Entre as negociatas, um lobby em favor de Vladimir Aras para o cargo de procurador-geral da República. Ao fim, o cargo vai para o primo de Vladimir.

Com o PT fora do páreo, o ex-embaixador dos EUA no Brasil declara que, antes da lava jato, o país atrapalhava os planos norte-americanos no continente. A PF admite fraude em provas usadas para incriminar Lula.

Os EUA seguirão comandando a lava jato, e agora também os leilões do petróleo brasileiro.

Com o PIB destroçado e o desemprego em massa, o país mergulha num protofascismo militar-jurídico-midiático. A lava jato cumpriu sua missão.

…para saber quem faz as leis no Brasil, não é tão importante conhecer a máquina de produzi-las, como, sobretudo, inquirir de onde vêm as forças que impulsionam aquela máquina (…) Nas Faculdades de Direito ensinam-lhes todo o mecanismo. Não há, porém, nenhuma cadeira, em todo o quinquênio escolar que se ocupe com o estudo das forças que movimentam a engrena­gem complicada de elaboração das leis. Se algum professor penetra nesse terreno, é por conta própria. Não é bem visto pelos colegas da Congregação. Não passará de um ‘comunista encapuçado’, um ‘demagogo na feira das vaidades’.
Quem faz as leis no Brasil – Osny Duarte Pereira, desembargador cassado pelo Ato Institucional nº1